Hoje só tenho coisas positivas para dizer.
Em primeiro lugar, registo com apreço a mudança de opinião dos defensores do ‘Não’ em relação à actual lei. Outrora abjecta e abominável, é hoje defendida com todo o fervor e, onde antes viam radicalismo e leviandade, hoje vêem sensatez e equilíbrio. É pouco, dirão alguns (eu também), mas já é alguma coisa...
A seguir, quero agradecer a todos os representantes do ‘Não’ que ontem estiveram presentes no programa da RTP1 ‘Prós e Contras’. Como foram esclarecedores! Obrigada, do fundo do coração!
Se dúvidas houvesse, ficou muito claro, e logo desde o início, quando da leitura do texto da Rita Ferro, aplaudido com grande entusiasmo pelo lado do ‘Não’, qual é a posição que têm sobre as mulheres e sobre o dito aconselhamento que lhes querem prestar.
Das mulheres que recorrem ao aborto têm a imagem de irresponsáveis, insensíveis, levianas, fúteis e (pois é!) até adulteras. Não estou a insinuar - a Rita Ferro escreveu-o, num português claríssimo, e foi, repito, freneticamente aplaudida pelos defensores do ‘Não’ que se encontravam no auditório.
Sobre o aconselhamento que querem prestar a essas mulheres, também ficou claro que o que pretendem é falar, ao invés de ouvir, julgar, ao invés de compreender, impor a sua lógica moralista, ao invés de informar de modo isento e esclarecedor. Mais uma vez, não se trata de um juízo de valor da minha parte, mas sim da interpretação lógica do papel desempenhado pelo médico no texto da Rita Ferro, volto a referir, efusivamente aplaudido pelo lado do ‘Não’.
Depois deste começo clarificador, o debate prometia – e cumpriu!
Ao longo das diversas intervenções ficou totalmente esclarecido o que é que os defensores do ‘Não’ têm para oferecer. Têm para oferecer a manutenção do status quo, ou seja, a proliferação dos abortos clandestinos e a ameaça da pena de prisão. Ah! e têm também para dar uma caridadezinha moralista, totalmente ajustada à forma deprimente como percepcionam as mulheres.
First Impression, Last Impression – e. também na despedida, os defensores do ‘Não’, não deixaram por mãos alheias a clarificação da sua posição. E, uma vez mais, estiveram à altura do que lhes era exigido.
Primeiro com a intervenção do Engº Fernando Santos, que teve a coragem de expressar o que a hipocrisia e a consciência pesada de alguns faz questão de esconder: exceptuando quando a sua vida está em risco, as mulheres devem, sim senhora, ser punidas se interromperem voluntariamente a gravidez. Finalmente!
Para fechar, e com chave de ouro, a intervenção da Dra. / fadista Kátia Guerreiro que, interpelando directamente uma jovem apoiante do ‘Sim’, o faz naquele tom de superioridade, de quem é detentor da verdade e já descobriu a luz, dirigindo-se a alguém que está perdido nas trevas, dizendo, da forma mais caridosa que se pode imaginar: ‘Oh minha querida...’
Mas faltava a cerejinha em cima do bolo, e essa, o Dr. Aguiar Branco fez questão de ser ele próprio a colocar – também outra coisa não seria de esperar, diga-se. Afinal um dos grandes argumentos do ‘Não’ é (pasme-se!) o de evitar a discriminação das mulheres que interrompem a gravidez depois das 10 semanas (sujeitas a serem punidas), face àquelas que o fazem dentro desse prazo (que passarão a poder fazê-lo de forma legal). Não é lindo?!
Bem hajam por terem sido tão claros!
Já que o coito - diz Morgado -
tem como fim cristalino,
preciso e imaculado
fazer menina ou menino;
de cada vez que o varão
sexual petisco manduca,
temos na procriação
prova de que houve truca-truca.
Sendo pai só de um rebento,
lógica é a conclusão
de que o viril instrumento
só usou - parca ração! -
uma vez. E se a função
faz o órgão - diz o ditado -
consumada essa excepção,
ficou capado o Morgado.
Natália Correia*
* Resposta da poetisa Natália Correia (à época deputada do PSD), no dia 3 de Abril de 1982, à afirmação do então deputado do CDS, João Morgado, «O acto sexual é para ter filhos», durante o debate na Assembleia da República, sobre a legalização do aborto.
Um dos últimos argumentos a favor do ‘Não’ no referendo para a despenalização da IVG, tem sido, ultimamente, o de que o número de abortos vai aumentar exponencialmente e também que, de forma mais ou menos consequente, os índices de natalidade vão baixar (mais ou menos, na razão inversa, imagino...).
Primeiro, vieram as razões ético-religiosas, que, pelos vistos, já não captam mais apoios, depois os argumentos financeiros (os nossos impostos não podem servir para fazer IVGs), a seguir mostraram-nos ecografias com corações a bater, mais tarde veio a eloquente comparação com a pena capital e até a defesa entusiástica da actual lei (eu pensava que eles se tinham oposto, mas parece que não – esta lei é, afinal, perfeita!), até que agora pouco mais lhes resta do que tirarem da cartola o argumento dos números.
A primeira dúvida que este argumento me levanta é a do respeito pelo rigor semântico: quando se fala em ‘aumento’ não temos que pressupor que o número futuro será maior do que o actual?! Pois, também me parece que si... Então, mas isso implica que se conheça o número actual?! Pois... Mas as IVGs praticadas em Portugal são todas clandestinas?! e, mesmo as que são feitas fora do país, também não me parece que constem de nenhum registo estatístico oficial... Logo, o mais que podemos ter é uma estimativa aproximada dos números (a não ser que os Senhores e Senhoras do 'Não' controlem uma espécie de máfia organizada do aborto clandestino e tenham, por isso, números exactos). Também não é difícil supor que essa mesma estimativa esteja subestimada... Logo, quando se comparam valores subdimensionados com números reais, é natural que se verifique um aumento. E por aqui já se começa a evidenciar a honestidade e rigor estatístico do argumento...
Mas há mais... Quando se pensa que a despenalização implicará automaticamente um aumento do número de IVGs, temos que admitir que a penalização é o principal factor inibidor da sua prática. Ah!, muito bem!... Temos então umas quantas mulheres, totalmente irresponsáveis e levianas, mas muito medrosas, que, só para não correrem o risco de serem presas, lá vão tendo os filhos (embora sem vontade nenhuma...)... Assim que estas mesmas mulheres (e certamente muitas mais) perceberem que o cutelo da prisão não mais se coloca sobre as suas cabeças, desatarão que nem loucas a interromper voluntariamente as suas gravidezes e, perante tanta animação, até não me custa a crer que engravidem mesmo, de propósito, só para terem o prazer de a seguir provocarem um aborto. É que para as mulheres, não há melhor coisa no mundo! Mas cuidado, não se atrasem!, porque é só até às 10 semanas!
E assim se dá o aumento!
Apetece-me perguntar: e os homens?, que mudanças comportamentais lhes provocará a despenalização? (Que disparate o meu! O que é que os homens têm a ver com isto?!)
Ainda ontem na televisão, um Senhor Bispo, da Igreja Católica Portuguesa, com sotaque zzzz aprimorado, comparava a IVG à pena capital. Ora nem mais!
Mas eu até compreendo a facilidade com que ele encontrou a metáfora.
Não sei se o Sr. Bispo percebe alguma coisa de gravidez, mas parece que não - o clero está proíbido de quaisquer práticas que conduzam a esse resultado, e, portanto, não creio que alguma vez o tenham feito à revelia das ordens superiores. Também admito que perceba muito pouco de IVG - nunca constou, nem no mais sórdido e susurrado comentário, que algum membro da Igreja tenha contribuído directa ou indirectamente para que tal acontecesse. De práticas anti-concepcionais, percebem um bocadinho, mas só se forem naturais e sempre na teoria (também, para serem naturais, só mesmo sendo teóricas, porque na prática sabemos que não funcionam).
Portanto, e em jeito de conclusão, qual é o tema que a Igreja domina? É a pena capital, pois claro! Essa sim, sempre fez parte das suas práticas correntes, pois, umas vezes como promotores e implementadores (a Inquisição deu-lhes um know how considerável), outras vezes abençoando ou tão só fechando os olhos (coisa que a Igreja faz muito bem), sempre estiveram (só para os mais esquecidos, lembro as ditaduras da América Latina) e estão (USA?, diz-vos alguma coisa?!) na linha da frente.
Em Democracia, todos temos o direito (apetecia-me dizer ‘o dever de...’) a assumir uma opinião. Como tal, considero tão respeitáveis e válidas as opiniões pelo SIM à despenalização da IVG, como aquelas que, de uma forma coerente e responsável, se batem pelo NÃO.
No entanto, parece-me também que, essa mesma e nem sempre bem tratada democracia, exige que, ao defendermos essa dita opinião, assumamos, em simultâneo, e na totalidade, as consequências da mesma. E é aqui que a firmeza de alguns ‘NÃOs’ começa a vacilar...
Ao defender o SIM, no referendo sobre a despenalização da IVG, assumo sem preconceitos que estou a dizer que as mulheres que decidem interromper a gravidez até às 10 semanas (qualquer que seja a causa dessa opção), não devem ser, de modo algum, penalizadas por isso. Estou também a assumir que essa interrupção pode (apetece-me de novo dizer ‘deve’) ser realizada numa unidade do Serviço Nacional de Saúde (desde que esse seja o desejo da mulher), em perfeitas condições higiénico-sanitárias. Ao assumir isto, autorizo, com certeza, que uma parte dos meus impostos seja gasta para garantir a dignidade das mulheres e resolver um problema premente de saúde pública. Mas assumo também que estou a dar prevalência ao valor da maternidade responsável e desejada, relativamente a um embrião em estágio muito precoce do seu desenvolvimento. Mas se lhe quiserem chamar uma forma de vida, então eu também assumo, de novo sem preconceitos, que privilegio a vida numa forma mais ampla, mais completa, recheada de afectos, sem culpas e sem traumas. Mesmo que aumentem o dramatismo da situação e acrescentem um coração a bater, eu continuo, sem remorsos, a considerar também os outros corações e a afirmar que um coração sem afecto, pode bater, mas não VIVE.
Era esta frontalidade que eu gostaria de ver nos defensores do ‘Não’. Mas, na maioria das intervenções ela não só está ausente, como o que emerge é uma hipocrisia beata, que se quer fazer passar por benfeitora.
Ainda não percebi muito bem: os defensores do ‘Não’, não querem ver as mulheres na cadeia (é uma coisa feia, que não fica nada bem defender...), mas também não querem que se altere a lei?!... Estranho?! Pois..., mas, na cabeça desta gente, não é incompatível... Então o que defendem é assim uma coisa meio cinzenta (e ilegal, já agora), em que a lei – no papel - penaliza (para preservar as nossas consciências, é sempre bom), sujeitando as mulheres a uma pena até 3 anos de prisão, mas depois, nos tribunais – isto é, na prática – deverão existir uns juízes muito bonzinhos, que fecham os olhos à lei, e, de forma caridosa (e se possível deixando uns bons conselhos para orientar a vida dessa mulher perdida), dizem que, afinal, era só para assustar. E, pronto!, depois deste final feliz, as nossas consciências podem de novo dormir descansadas!
Então a estes eu digo: as mulheres (porque assumem os seus deveres) querem ter direitos, não querem caridade!
Caros defensores do ‘Não’, assumam com coerência as vossas legítimas opiniões. Tenham coragem de dizer que para vocês a vida de um embrião é tão relevante, que justifica que uma mulher que interrompe uma gravidez seja julgada em tribunal e cumpra uma pena de prisão, que pode ir até 3 anos!
Eu sei que as vossas consciências não ficarão tão tranquilas, mas, pelo menos, merecerão mais respeito.
Exmo. Sr. Professor Marcelo Rebelo de Sousa:
A minha primeira indignação prende-se com o facto de ter visto, ontem, o espaço público de televisão – pago, por isso, por todos nós – a ser usurpado abusivamente para o Senhor fazer campanha pelo ‘Não’ (com oportunidade, inclusivamente, de divulgação do site, desenvolvido para o efeito). Mas desta eu tratarei em lugar próprio, junto de quem, gerindo de forma muito pouco cuidadosa aquilo que lhe é confiado, permite este tipo de abusos.
A segunda, talvez ainda mais brutal do que a primeira, prende-se com a forma absolutamente ofensiva com que o Senhor tratou as mulheres, dizendo-se ‘pelo não’ para que o abordo não seja praticado só ‘porque apetece’ ou por um mero ‘estado de alma’. A quem é que o Senhor se estava a referir ao proferir estas palavras? Julga o Senhor que somos um bando de levianas que nos levantamos de manhã e, assim como que em jeito de alternativa a umas compras, resolvemos ir fazer um aborto? Pensa o Senhor que o acto de abortar se prende com um mero ‘estado de alma’, em que a mulher, porque não ‘está nos seus dias’, e de forma totalmente irreflectida, resolve pôr fim a uma gravidez?
Pois saiba que não! As mulheres são cidadãs responsáveis, e às vezes tanto que acabam por arcar com a parcela que caberia aos homens, que como elas contribuíram para a gravidez, mas que, na hora das dificuldades, resolvem não assumir os deveres que lhes competiam.
Se quer defender ‘o não’, está no seu direito, mas assuma-o, na plenitude das respectivas consequências. Tenha coragem de dizer que quer ver as mulheres na cadeia – é a isso que a actual lei conduz e o Senhor, como professor de Direito, saberá melhor do que eu. Não queira manter uma posição de ‘nim’, num acto que só posso qualificar de total hipocrisia, ainda para mais à custa da desqualificação das mulheres.
Se quer defender ‘o não’, integre-se num desses movimentos legalmente criados para o efeito e use o tempo de antena respectivo e legítimo. Não queira fazê-lo, abusivamente, no espaço que é pago por todos nós.
Finalmente, SIM!
Movimento Médicos pela Escolha
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