É incrível como os defensores do ‘Não’, derrotados nas urnas no domingo passado (há que lembrá-lo), continuam a não (querer) perceber qual foi a decisão dos portugueses. Mas então é preciso clarificá-la: à pergunta ‘Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas 10 primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?’, os portugueses responderam com um claríssimo SIM (59,25%). Não responderam ‘Não’, nem responderam ‘Nim’. Ok?!
Pronto. Então, se responderam SIM, o que disseram foi (desculpem-me a repetição, mas parece que é preciso) que ‘concordam com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas 10 primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado’.
Mas há algumas pessoas (parece-me que o Sr. Presidente da República é uma delas) para quem esta realidade, tão clara, é difícil de compreender e então, numa espécie de continuidade do discurso dúbio e pouco transparente que marcou a campanha pelo ‘não’, tentam fazer do SIM um Nim.
Tal como na campanha, há uns, mais directos (eu diria antes menos hábeis / sofisticados), que vêm dizer que, como o referendo não foi vinculativo, não há legitimidade para alterar a lei. Em 98, quando a diferença entre o ‘Sim’ e o ‘Não’ se ficou por escassos 50 000 votos, esqueceram-se deste argumento – o que foi uma pena (que o digam os familiares das mulheres que entretanto morreram, vítimas de abortos clandestinos).
Outros, um pouco mais requintados, mas ainda pouco telegénicos, vêm propor a interpretação da abstenção como se de votos ‘não’ se tratasse. O Salazar fazia o mesmo (ele interpretava como ‘sim’), mas deve ser só mera coincidência...
Os mais subtis (não sei porquê lembro-me sempre de uma canção do Sérgio Godinho ‘...ou vem com botas cardadas, ou com pezinhos de lã...’), para mostrarem a sua maturidade democrática, apressam-se a aceitar a derrota, mesmo não sendo o referendo vinculativo, mas propõem logo em seguida que o legislador ‘interprete os resultados’ e faça, por isso, ‘uma lei moderada’.
É nestes últimos que me vou concentrar, porque são os mais perigosos. Primeiro que tudo, gostaria de referir, que também concordo com eles (fica sempre bem começar com uma mensagem positiva) – também eu considero elementar que o legislador interprete os resultados. Os portugueses responderam ‘Sim’, com uma diferença de cerca de 20%, portanto não subsistem quaisquer dúvidas sobre o caminho a seguir. Continuamos de acordo, espero?!
Então o que é que quererão dizer com uma ‘lei moderada’? Será que é baseada naquela ideia piedosa de ‘não querer’ penalizar as mulheres, continuando a considerar a IVG crime? Se é, relembro que essa ideia foi claramente derrotada no Domingo. Não adianta insistir, porque os portugueses já disseram que NÃO, muito obrigado.
Quererão eles que se coloquem condições para a despenalização da interrupção da gravidez, mesmo que realizada nas primeiras 10 semanas?! Não acredito que tenham tamanha desfaçatez! Os portugueses, no domingo, mostraram claramente que querem que, durante as 10 semanas, a única limitação seja a ‘opção da mulher’, sem que esta tenha necessidade de dizer, a quem quer que seja, qual o motivo da sua decisão (como lembrou, e muito bem, José Carlos de Vasconcelos, na revista Visão da semana passada).
Ou será que estão a falar na obrigatoriedade de consulta prévia de umas equipas de aconselhamento inspiradas nas que foram criadas pelos defensores do ‘não’, em que a mulher é coagida (e não esclarecida) a levar a gravidez para a frente, pois, caso contrário, não recebe qualquer tipo apoio? Se é, lamento informar que também essa vontade foi liminarmente rejeitada no domingo – os portugueses disseram que concordam que a ‘opção seja da mulher’ e não de quaisquer outros intervenientes. Já agora, só para os mais distraídos, ‘opção’ implica que, como ponto de partida, sejam colocadas à disposição várias alternativas, sem que nenhuma assuma, à priori, qualquer prevalência perante as restantes. O ser ‘da mulher’, talvez não seja demais lembrar, implica que seja ela livremente (sem quaisquer pressões de terceiros – explícitas ou implícitas / moralistas) a optar.
Então o que é que é uma ‘lei moderada’?! Cheira-me que é só mais uma manobra para tentarem ‘ganhar na secretaria’ o que ‘perderam em campo’ – isto é, nas urnas. E olhem que a derrota foi daquelas que dão direito a ‘chicotada psicológica’, com ‘dispensa de treinador’ e demissão do Presidente.
Finalmente, SIM!
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